sexta-feira, outubro 14

Para pensar...

Há alguns anos atrás, aquando do agravamento do estado de saúde de Gabriel Garcia Marquez, surgiu nos meios de comunicação social uma alegada carta de despedida por si escrita. O autor rapidamente se prontificou a desmentir a sua autenticidade. No entanto, e como uma rápida leitura pode atestar, isso não retira a qualidade do texto que aqui transcrevo...

"Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestir-me-ia simplesmente, jogar-me-ia de bruços no solo, deixando à descoberta não apenas o meu corpo, como a minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida. Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes - amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens, provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens... Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão pela primeira vez o dedo do seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para o ajudar a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir de muito porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente, estarei morrendo... "

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