terça-feira, dezembro 13

Ao fazer zapping na TV em busca de um programa que me trouxesse o esperado e desejado sono dos justos deparei-me com o programa da Ana Sousa Dias, esta semana com José Saramago. Ao ver aquele homem senti um sabor agridoce. Está velho e essa velhice traz-lhe a serenidade e a calma que sempre precisou. Muito menos belicoso, de bem com a vida, deambulou pela sua obra de forma magistral, entregando aos leitores a sua interpretação, numa crítica velada a quem lhe atribui significados estanques e reductores e, não lendo, alvitra sobre a qualidade (ou falta dela) do que escreve. Gostei de ouvir a forma como discute os livros com Pilar, como revê pormenores físicos do Cão das Lágrimas (umas das personagens mais deliciosas do Ensaio sobre a Cegueira), numa atitude despojada de presunção de autoria a que sempre nos habituou. Gostei de perceber que aquilo que eu tomava como redundância temática, porquanto pega sempre "numa situação inusitada que toma proporções incumensuráveis e suas consequências nefastas" não é mais que uma tentativa de nos levar a perceber o ridículo de situações que tendemos a exacerbar e divinizar. "As intermitências da morte" é o exemplo e prova cabal disso. A busca incessante do ser humano da vida eterna tolda a razão a favor da emoção. Apenas se pensa no fim em si, numa ilusão de felicidade que mais não é que isso, uma ilusão. Não há felicidade na vida eterna, pelo contrário. Até a morte quer escapar dela...
Saramago é um ser estranho, desconcertante, gerador de polémica e, por vezes, de alguma repulsa enquanto cidadão. Mas no alto dos seus 83 anos merece, cada vez mais, a minha vénia e retirar de chapéu. Desliguei a televisão a gostar ainda mais dos seus livros e com vontade que saia já amanhã o próximo para, tal como os outros, o mastigar lentamente ao quente da lareira.

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