segunda-feira, abril 10



Abriu todas as portas e janelas de casa.
Esperou sentada a um canto, pacientemente, o vento.
Ele levaria os cheiros, as memórias, as mentiras (em actos e omissões como na Salvé Rainha), os sorrisos, as noites perdidas, os enganos e os sonhos. Ia levá-los lá para o fim do mundo para os entregar ao ladrão que salta de olhos fechados o Pulo do Lobo e se perde de vista para não mais voltar. Este sorriu porque há muito esperava a chegada do vento. Encolheu os ombros e desviou o olhar, murmurando que era a vida e que quem dá o que tem a mais não é obrigado. Abriu o saco, de forma repentina e desinteressada, e colocou lá dentro, num gesto estupidamente simbólico, o presente de Natal envenenado. Sorriu novamente com todos os dentes que não tinha e desapareceu.
Nas águas revoltas do rio distante que nunca se sentiu o toque ou o sabor ficou apenas isso, água. Nada se alterou. A paisagem continua a mesma. As três árvores perspegadas no caminho para a civilização também. Inabaláveis. A estrela d'Alva, mesmo sem o Zeca, continua a vir de madrugada. E Viana do Castelo continua na Beira. E Castelo Branco no Minho. Espera... Ou será ao contrário?
Levantou-se, fechou portas e janelas e sorriu.
Encolheu os ombros e murmurou entre dentes que era a vida e quem dá o que tem a mais não é obrigado.
O rio de cá é igual ao de lá. Corre desalvoreado e não são as pedras no caminho que o desviam do mar. Porque o rio não espera. E ela também não.

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